domingo, 18 de janeiro de 2015

O Ataque de Moscou ao Vaticano

Corromper a Igreja é uma das prioridades da KGB.

por Ion Mihai Pacepa
National Review Online, Quinta-feira, 25 de Janeiro de 2007

Original - http://www.nationalreview.com/articles/219739/moscows-assault-vatican/ion-mihai-pacepa
Tradução Original - http://www.midiasemmascara.org/artigos/desinformacao/15631-o-ataque-de-moscou-ao-vaticano.html

A União Soviética jamais se sentiu à vontade tendo que conviver com o Vaticano neste mundo. Descobertas recentes provam que o Kremlin estava disposto a não medir esforços para neutralizar o forte anti-comunismo da Igreja Católica.

Em março de 2006, uma comissão parlamentar italiana concluiu que “além de toda dúvida razoável, os líderes da União Soviética tomaram a iniciativa de eliminar o papa Karol Wojtyla” em retaliação à sua ajuda ao movimento dissidente Solidariedade na Polônia. Em janeiro de 2007, quando documentos mostraram a colaboração do recém-nomeado arcebispo de Warsaw, Stanislaw Wielgus, com a polícia política na época da Polônia comunista, ele admitiu a acusação e se aposentou. No dia seguinte, o prior da Catedral Wawel de Cracóvia, local de sepultamento de reis e rainhas poloneses, se aposentou pela mesma razão. Em seguida, soube-se que Michal Jagosz, um membro do tribunal do Vaticano que estuda a santidade do depois Papa João Paulo II, foi acusado de ser um antigo agente da polícia secreta comunista; de acordo com a mídia polonesa, ele foi recrutado em 1984, antes de deixar a Polônia para assumir um cargo no Vaticano. Atualmente, está prestes a ser publicado um livro que irá revelar a identidade de outros 39 sacerdotes cujos nomes foram descobertos nos arquivos da polícia secreta de Cracóvia, alguns deles bispos atualmente. Além disso, essas revelações parecem ser apenas a ponta do iceberg. Uma comissão especial em breve iniciará uma investigação sobre a atuação de todos os religiosos durante a era comunista, quando, acredita-se, milhares de sacerdotes católicos daquele país colaboraram com a polícia secreta. Isto apenas na Polônia – os arquivos da KGB e os da polícia política nos demais países do antigo bloco soviético ainda precisam ser abertos para investigar as operações contra o Vaticano.

Na minha outra vida, quando estava no centro das operações de guerra de inteligência estrangeira de Moscou, me vi envolvido em um esforço deliberado do Kremlin para manchar a reputação do Vaticano, retratando o Papa Pio XII como um frio simpatizante do nazismo. No fim das contas, a operação não causou nenhum dano duradouro, mas deixou um amargo sabor residual de difícil eliminação. A história jamais foi contada antes.

O ATAQUE À IGREJA

Em fevereiro de 1960, Nikita Khrushchev aprovou um plano ultra-secreto para destruir a autoridade moral do Vaticano na Europa Ocidental. O plano era um criativo fruto de Aleksandr Shelepin, chefe da KGB, e de Aleksey Kirichenko, membro do Politburo soviético responsável por políticas internacionais. Até aquele momento, a KGB tinha lutado contra o seu “inimigo mortal” na Europa Oriental, onde a Santa Sé havia sido cruelmente atacada como um covil de espiões a soldo do imperialismo americano, e os seus representantes haviam sido sumariamente presos sob acusação de espionagem. Agora, Moscou queria desacreditar o Vaticano imputando-lhe a pecha de bastião do nazismo, usando os seus próprios sacerdotes, em seu próprio território.
Eugenio Pacelli, o Papa Pio XII, foi escolhido como alvo prioritário da KGB – a sua encarnação do demônio – pois havia deixado este mundo em 1958. “Mortos não podem se defender” era o slogan da KGB na época. Moscou acabara de ganhar um soco no olho por ter falsamente incriminado e encarcerado um prelado do Vaticano, o cardeal József Mindszenty, primaz da Hungria, em 1948. Durante a revolução húngara de 1956, ele escapara da prisão e pedira asilo na embaixada americana em Budapeste, onde começou escrever as suas memórias. Quando os detalhes de como ele havia sido condenado se tornaram conhecidos de jornalistas ocidentais, foi visto por todos como um santo herói e mártir.

Como Pio XII havia sido núncio papal em Munique e em Berlin quando os nazistas estavam iniciando a sua tentativa de chegar ao poder, a KGB queria retratá-lo como um anti-semita encorajador do Holocausto. O desafio era realizar a operação sem dar o menor sinal do envolvimento do bloco soviético. Todo o trabalho sujo devia ser feito por mãos ocidentais, usando evidências do próprio Vaticano. Isto corrigiria outro erro cometido no caso de Mindszenty, incriminado com documentos soviéticos e húngaros falsificados. (Em 6 de fevereiro de 1949, alguns dias após o julgamento de Mindszenty, Hanna Sulner, a especialista húngara em caligrafia que havia fabricado a “evidência” usada para incriminar o cardeal, fugiu para Viena e exibiu os microfilmes dos “documentos” em que se baseara o julgamento encenado. Hanna demonstrou, em um testemunho minuciosamente detalhado, que os documentos eram todos forjados, produzidos por ela, “alguns pretensamente escritos pelo cardeal, outras exibindo a sua suposta assinatura”.)

Para evitar outra catástrofe como a de Mindszently, a KGB precisava de alguns documentos originais do Vaticano, mesmo remotamente ligados a Pio XII, os quais os seus especialistas em desinformação poderiam modificar levemente e projetar “na luz apropriada” para provar as “verdadeiras cores” do Papa. A KGB, entretanto, não tinha acesso aos arquivos do Vaticano, e aí entrou o meu DIE, o serviço romeno de inteligência estrangeira. O novo chefe do serviço de inteligência estrangeira soviético, general Aleksandr Sakharovsky, havia criado o DIE em 1949 e havia sido até pouco tempo antes o nosso conselheiro-chefe soviético; o DIE, ele sabia, estava em excelente posição para contactar o Vaticano e obter aprovação para pesquisa em seus arquivos. Em 1959, quando fui nomeado para a Alemanha Oriental no disfarçado cargo de representante-chefe da Missão Romena, havia conduzido uma “troca de espiões” na qual dois oficiais do DIE (coronel Gheorghe Horobet e major Nicolae Ciuciulin), pegos com em flagrante na Alemanha Ocidental, foram trocados pelo bispo católico Augustin Pacha, preso pela KGB sob uma espúria acusação de espionagem, e que finalmente retornava ao Vaticano via Alemanha Ocidental.

INFILTRAÇÃO NO VATICANO

“Seat 12” era o codinome dado a essa operação contra Pio XII e eu me tornei o seu ponta-de-lança romeno. Para facilitar o meu trabalho, Sakharovsky me autorizou a informar (falsamente) o Vaticano que a Romênia estava pronta para restabelecer as relações cortadas com a Santa Sé, em troca ao acesso aos seus arquivos e um empréstimo sem juros de um bilhão de dólares por 25 anos. (As relações da Romênia com o Vaticano haviam sido cortadas em 1951, quando Moscou acusou a nunciatura do Vaticano na Romênia de ser um front da CIA disfarçado e fechou os seus escritórios. Os edifícios da nunciatura em Bucareste haviam sido revertidos ao DIE e hoje abrigam uma escola de idioma estrangeiro.) O acesso aos arquivos papais, eu havia dito ao Vaticano, era necessário para encontrar raízes históricas que ajudariam o governo romeno a justificar publicamente a sua mudança de atitude em relação à Santa Sé. O dinheiro – bilhão de dólares (não, isto não é erro de digitação) -, me disseram, havia sido introduzido no jogo para tornar a alegada mudança de opinião romena mais plausível. “Se há uma coisa que estes monges entendem é de dinheiro” disse Sakharovsky.

A minha atuação na troca do bispo Pacha pelos dois oficiais do DIE realmente abriram as portas para mim. Um mês após ter recebido as instruções da KGB, fiz meu primeiro contato com um representante do Vaticano. Por razões de segredo, o encontro – e a maioria das reuniões seguintes – ocorreu em um hotel em Genebra, Suíça. Fui apresentado a um “membro influente do corpo diplomático” que, me disseram, havia começado a carreira trabalhando nos arquivos do Vaticano. O seu nome era Agostino Casaroli, e eu logo perceberia a sua grande influência. Imediatamente, este monsenhor deu-me acesso aos arquivos do Vaticano, e logo três jovens oficiais do DIE disfarçados de sacerdotes romenos estavam mergulhados nos arquivos papais. Casaroli também concordou “em princípio” com o pedido de Bucareste pelo empréstimo sem juros, mas disse que o Vaticano desejava impor certas condições. (Até 1978, quando deixei a Romênia para sempre, eu ainda estava negociando o empréstimo, diminuído então para 200 milhões de dólares.)

Durante os anos 1960-62, o DIE conseguiu furtar dos Arquivos do Vaticano e da Biblioteca Apostólica centenas de documentos ligados, de alguma forma, ao Papa Pio XII. Tudo era imediatamente enviado para a KGB por um correio especial. Na realidade, nenhum material incriminador contra o Pontífice emergiu de todos aqueles documentos secretamente fotografados. A maior parte eram cópias de cartas pessoais e transcrições de reuniões e discursos, tudo formatado na rotineira linguagem diplomática esperada. A KGB, entretanto, continuava pedindo mais documentos. E nós enviávamos mais.

A KGB PRODUZ UMA PEÇA

Em 1963, o general Ivan Agayants, o famoso chefe do departamento de desinformação da KGB, foi a Bucareste para nos agradecer pela ajuda. Disse-nos que a operação “Seat-12” havia se materializado em uma poderosa peça de ataque contra o Papa Pio XII intitulada The Deputy (O Representante), uma referência indireta ao Papa como representante de Cristo na terra. Agayants levou o crédito pelo formato da peça, e nos disse que ela tinha extensos apêndices de documentos para lhe dar sustentação, anexados pelos seus especialistas com a ajuda de documentos furtados por nós do Vaticano. Agayants também nos disse que o produtor da The Deputy, Erwin Piscator, era um comunista devoto com um relacionamento de longa data com Moscou. Em 1929, ele havia fundado o Teatro do Proletariado em Berlim, e em seguida procurado asilo político na União Soviética quando Hitler chegou ao poder, e, poucos anos depois, “emigrou” para os EUA. Em 1962, Piscator voltou a Berlim Ocidental para produzir The Deputy.

Em todos os meus anos na Romênia, sempre lidei com os meus chefes da KGB com um certo cuidado pois eles costumavam manejar os acontecimentos de forma a fazer a inteligência soviética a mãe e o pai de tudo. Mas eu tinha razões para acreditar na declaração auto-elogiosa de Agayants. Ele era uma lenda viva no campo da desinformação. Em 1943, morando no Irã, Agayants lançara o relatório de desinformação segundo o qual Hitler havia montado uma equipe especial para sequestrar o presidente Franklin Roosevelt da embaixada americana em Teerã durante a Conferência de Cúpula Aliada a ser realizada lá. Por isso, Roosevelt concordou em montar o seu quartel-general em uma vila sob a “segurança” do complexo da Embaixada Soviética, protegida por uma grande unidade militar.

Todo o pessoal soviético designado para aquela vila era composto por oficiais de inteligência disfarçados, com domínio do idioma inglês, mas, com poucas exceções, eles mantinham isto em segredo para poder escutar as conversas. Mesmo com as capacidades técnicas limitadas da época, Agayants conseguiu proporcionar a Stalin, de hora em hora, relatórios de acompanhamento sobre os hóspedes americanos e britânicos. Isto ajudou Stalin a obter o acordo tácito de Roosevelt para deixá-lo manter sob domínio os países bálticos e os demais territórios ocupados pela União Soviética em 1939-40. Agayants também levou o crédito por ter induzido Roosevelt a usar o familiar tratamento “Tio Joe” para Stalin naquele encontro. De acordo com o relato de Sakharovsky para nós, Stalin estava mais orgulhoso disso até mesmo do que dos territórios ganhos. “O aleijado é meu!” teria exultado.

Exatamente um ano antes do lançamento da peça The Deputy, Agayants realizou outra ação bem sucedida. Inventou um manuscrito concebido para convencer o Ocidente de que, no fundo, o Kremlin pensava bem dos judeus; isto foi publicado na Europa Ocidental, com muito sucesso entre o público, na forma de um livro intitulado Notes for a Journal. O manuscrito foi abribuído a Maxim Litvinov, nascido Meir Walach, o aposentado comissário soviético para relações exteriores, demitido em 1939 quando Stalin purgou o seu aparato diplomático de judeus em preparação para a assinatura do pacto de “não-agressão” com Hitler. (O Pacto de Nâo-Agressão Stalin-Hitler foi assinado em 23 de agosto de 1939 em Moscou. Continha um Protocolo secreto dividindo a Polônia entre os dois signatários e dava aos soviéticos autoridade sobre Estônia, Letônia, Finlândia, Bessarábia e Bucovina do Norte.) Este livro de Agayants estava tão perfeitamente falsificado que o mais proeminente estudioso da Rússia Soviética, o historiador Edward Hallet Carr, ficou totalmente convencido da sua autenticidade e até escreveu uma introdução para ele. (Carr havia escrito uma História da Rússia Soviética, em 10 volumes.)

A peça The Deputy foi lançada em 1963 como um trabalho de um desconhecido alemão oriental chamado Rolf Hochhuth, sob o título Der Stellvertreter, Ein christliches Trauerspiel (The Deputy, a Christian Tragedy). A tese central era que Pio XII havia apoiado Hitler e o encorajara a ir adiante com o Holocausto Judeu. O livro acendeu imediatamente uma gigantesca controvérsia acerca de Pio XII, descrito como um homem frio e sem coração, mais preocupado com as propriedades do Vaticano do que com o destino das vítimas de Hitler. O texto original apresentava uma peça de oito horas, apoiada por cerca de 40 a 80 páginas (dependendo da edição) do que Hochhuth chamou de “documentação histórica”. Em um artigo de jornal publicado na Alemanha em 1963, Hochhuth defende a sua representação de Pio XII dizendo: “Os fatos estão aí – quarenta páginas repletas de documentos no apêndice da minha peça.” Em uma entrevista de rádio em Nova Iorque em 1964, quando The Deputy estreiou naquela cidade, Hochhuth disse “Eu considerei necessário adicionar à peça um apêndice histórico, de cinquenta a oitenta páginas (dependendo do tamanho da impressão)”. Na edição original, o apêndice é intitulado Historische Streiflichter (fragmentos históricos). The Deputy foi traduzida para cerca de 20 idiomais, drasticamente cortada e normalmente sem o apêndice.

Antes de escrever The Deputy, Hochhuth, que não tinha diploma secundário (Abitur), estava trabalhando em diversos trabalhos desimportantes para o grupo editorial Bertelsmann. Em entrevista, declarou que em 1959 obtivera uma licença de ausência de trabalho e fôra a Roma, onde passara três meses conversando e, em seguida, escrevento o primeiro rascunho da peça, e onde havia proposto uma “série de questões” a um bispo cujo nome recusou a revelar. Até parece! Quase na mesma época, eu costumava visitar o Vaticano regularmente como representante credenciado de um chefe de estado, e nunca encontrei nenhum bispo tagarela para conversar no corredor comigo – e não foi por falta de tentativa. Os oficiais ilegais do DIE infiltrados por nós no Vaticano também encontraram quase as mesmas dificuldades insuperáveis para penetrar nos arquivos secretos do Vaticano, mesmo com o inexpugnável disfarce de sacerdote.

Nos meus velhos tempos do DIE, quando podia pedir ao meu chefe pessoal, general Nicolae Ceausescu (o irmão do ditador) um relatório detalhado sobre algum subordinado, ele sempre perguntava “Para promover ou rebaixar?” (NT: For promotion or demotion?, no original.) Durante os seus primeiros dez anos de vida, The Deputy tendeu na direção do rebaixamento do Papa. Gerou uma enxurrada de livros e artigos, alguns acusando, outros defendendo o pontífice. Alguns chegaram até a jogar a culpa pelas atrocidades em Auschwitz nas costas do Papa, outros meticulosamente reduziram os argumentos de Hochhuth a pó, mas todos contribuíram para a enorme atenção recebida na época por esta peça trapaceira. Hoje, muitas pessoas que jamais ouviram falar na The Deputy estão sinceramente convencidas que Pio XII foi um homem frio e malvado que odiava os judeus e ajudou Hitler a eliminá-los. Como Yury Andropov – chefe da KGB e inigualável mestre da enganação soviética – costumava me dizer, as pessoas são mais propensas a acreditar em sujidade do que em santidade.

CALÚNIAS ENFRAQUECIDAS

Em meados da década de 1970, The Deputy começou a perder força. Em 1974, Andropov admitiu para nós que, se soubéssemos antes o que sabíamos então, jamais teríamos ido atrás do Papa Pio XII. Referia-se a informações recentemente liberadas mostrando que Hitler, longe de ser amigo de Pio XII, na verdade tramou contra ele.

Poucos dias antes da admissão de Andropov, o antigo comandante supremo do esquadrão da SS alemã (Schutztaffel) na Itália durante a Segunda Guerra Mundial, general Friedrich Otto Wolff, havia sido solto da cadeia e confessado que em 1943 Hitler havia lhe ordenado que raptasse o Papa Pio XII do Vaticano. Aquela ordem havia sido tão confidencial que jamais foi trazida à tona após a guerra em nenhum arquivo nazista. Nem surgiu em nenhuma das inúmeras prestações de contas de oficiais da Gestapo e SS conduzidas pelos Aliados vitoriosos. Segundo a sua confissão, Wolff teria replicado a Hitler que a ordem levaria seis semanas para ser cumprida. Hitler, que culpava o Papa pela derrota do ditador italiano Benito Mussolini, queria a ordem cumprida imediatamente. Por fim, Wolff persuadiu Hitler que haveria uma forte reação negativa se o plano fôsse implementado, e o Führer o abandonou.

Também em 1974, o cardeal Mindszenty publicou o seu livro Memoirs, no qual descreve em dolorosos detalhes como foi falsamente incriminado na Hungria comunista. Com provas baseadas em documentos fabricados, ele foi acusado de “traição, mal uso de moeda estrangeira e conspiração”, ofensas “todas passíveis de pena de morte ou prisão perpétua”. Ele também desceve como a sua falsa “confissão” ganhou então vida própria. “Qualquer um, parecia para mim, podia ter reconhecido imediatamente este documento como uma falsificação grosseira, pois era o produto de um trabalho malfeito e de uma mente inculta”, escreveu o cardeal. “Mas quando depois eu li os livros, jornais e revistas estrangeiros que lidaram com o meu caso e comentaram a minha “confissão”, percebi que o público deve ter concluído que a “confissão” havia sido realmente feita por mim, apesar de ter sido feita em estado semiconsciente e sob a influência de lavagem cerebral… o fato de a polícia ter publicado um documento fabricado por ela mesma parecia muito descarado para se acreditar”. Além de tudo isso, Hanna Sulner, a especialista em caligrafia húngara usada incriminar o cardeal, havia escapado para Viena, e confirmou ter forjado a “confissão” de Mindszenty.

Alguns anos depois, o Papa João Paulo II iniciou o processo de beatificação de Pio XII, e testemunhas do mundo inteiro provaram, de modo constrangedor para os adversários, que Pio XII era um inimigo, não um amigo, de Hitler. Israel Zoller, o rabi-chefe de Roma entre 1943-44, quando Hitler tomou a cidade, devotou um capítulo inteiro das suas memórias louvando a liderança de Pio XII. “O Santo Padre enviou uma carta para ser entregue em mãos aos bispos instruindo-os para levantar o claustro de conventos e monastérios, para poderem se tornar refúgio para os judeus. Sei de um convento onde as Irmãs dormiram no porão, emprestando as suas camas para os refugiados judeus”. Em 25 de julho de 1944, Zoller foi recebido pelo Papa Pio XII. Notas tomadas pelo secretário de estado do Vaticano, Giovanni Battista Montini (que se tornaria o Papa Paulo VI) mostram a gratidão do rabi Zoller ao Santo Padre por toda a sua ajuda para salvar a comunidade judaica em Roma – e os seus agradecimentos foram transmitidos pelo rádio. Em 13 de fevereiro de 1945, o rabi Zoller foi batizado pelo bispo auxiliar de Roma, Luigi Traglia, na igreja de Santa Maria degli Angeli. Em agradecimento a Pio XII, Zoller tomou o nome cristão de Eugênio (o nome do Papa). Um ano depois, a esposa e a filha de Zoller também foram batizadas.

David G. Dalin, em The Myth of Hitler´s Pope: How Pope Pius XII Rescued Jews From the Nazis, publicado poucos meses atrás, compilou provas indiscutíveis da amizade entre Eugenio Pacelli e os judeus, iniciada bem antes dele ser papa. No começo da Segunda Guerra Mundial, a primeira encíclica do Papa Pio XII foi tão anti-Hitler que a Real Força Aérea e a força aérea francesa lançaram 88 mil cópias do documento sobre a Alemanha.

Ao longo dos 16 últimos anos, a liberdade de religião foi restaurada na Rússia e uma nova geração vem lutando para desenvolver uma nova identidade nacional. Só podemos esperar que o presidente Vladimir Putin decida abrir os arquivos da KGB e os coloque sobre a mesa para que todos possam ver como os comunistas caluniaram um dos mais importantes Papas do último século.

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Red Cocaine - Capítulo 4 - Khrushchev Instrui os Países Satélites

Por favor, avisem-me caso encontrem qualquer erro de tradução ou de português.

Ver demais capítulos.
Red Cocaine - Capítulo 4 - Khrushchev Instrui os Países Satélite


Em 1962, Khrushchev formalmente entendeu as operações Soviéticas com narcóticos para os satélites do Leste Europeu. Os líderes estratégicos (Alto Escalão do Secretariado, Primeiros Ministros, Ministros de Defesa, Chefes de Gabinete e assistente especiais) dos principais satélites foram convocados para participar de uma reunião secreta em Moscou para discutir a recessão econômica das economias socialistas. Romênia, Albânia e a Iugoslávia não se apresentaram. Sejna era um dos oficiais que estavam presentes. Os oficiais Soviéticos do mais alto nível hierárquico participaram da reunião incluindo o Nikita Khrushchev, Leonid Brezhnev, Mikhail Suslov e Andrei Kirilenko. Foi nesta reunião que Khrushchev formalmente apresentou a estratégia Soviética: “Mao Tse-tung e os Chineses são muito espertos”, ele começou, se referindo aos negócios com as drogas, “eles são muito criativos e muito eficientes também. Porque devemos deixar os Chineses trabalharem sozinhos neste mercado mundial”, ele perguntou, e rapidamente respondeu a sua própria pergunta; “Os Chineses são bons, mas o serviço de inteligência do Bloco Soviético possui um nível de organização muito maior e deve se mover o mais rápido possível para usar tanto as drogas como os narcóticos tanto para rachar a sociedade capitalista como para financiar as atividades revolucionárias”.


Khrushchev então começou uma discussão dos vários benefícios que podiam derivar deste negócio. Proveria uma ótima renda e ainda poderia servir como fonte para o muito-desejado câmbio financeiro para financiar as operações de inteligência. Além disso, serviria para sabotar tanto a saúde como a moral dos trabalhadores Americanos. Como pessoas viciadas em drogas não são confiáveis em crises e emergências, todo esse negócio com as drogas “enfraqueceria o fator humano numa situação de defesa”.

Khrushchev também levou em consideração o impacto na educação no longo prazo. As escolas Americanas sempre eram um dos alvos de mais alta prioridade, porque eram nestes lugares que os futuros líderes na burguesia poderiam ser encontrados. Um outro alvo de maior importância para o Khrushchev era a ética trabalhista dos Americanos. Assim como o orgulho e a lealdade, todos estes seriam sabotados pelo uso das drogas. Finalmente, as drogas e os narcóticos levariam a uma queda na influência da religião e, ele adicionou, poderia até mesmo criar o caos.

“Quando nós discutimos esta estratégia”, Khrushchev conclui, “alguns ficaram preocupados que essa operação poderia ser considerada imoral. Porém devemos declarar categoricamente”, ele enfatizou, “tudo aquilo que acelerar a destruição do capitalismo é moral”[1].

Somente algumas poucas perguntas foram feitas pelos presentes durante a reunião. Janos Kadar, o Primeiro Secretário da Hungria, expressou sua preocupação que as operações com as drogas não deveria interferir no progresso conseguido durante a coexistência pacífica. Ele estava se referindo a assistência econômica e tecnológica que começou a fluir do Oeste. Após isso, ele sugeriu que os países do Terceiro Mundo que não eram tidos como suspeitos pelos Estados Unidos fossem utilizados para pôr a operação em prática.

Essa tática, na verdade, já estava sendo utilizada para manter uma distância segura entre os países do Bloco Soviético e de fato os que estavam trabalhando nas operações com narcóticos. Por toda a América Latina, por exemplo, enquanto agentes da inteligência do Bloco Soviético exerciam um certo controle e davam as direções de maneiras gerais, as pessoas nativas destes países estavam pegando no pesado de fato das operações. Está técnica também pode ser vista sendo utilizada em respeito as operações do Bloco Soviético quanto a Europa Ocidental. Por exemplo, a Agência Americana Contra Drogas preparou um relatório sobre o papel da Bulgária no tráfico internacional de drogas num Congresso em 1984. Várias fontes, todas consistentes, foram referenciadas no relatório, que cobria as operações entre 1970 e 1984.

Uma das organizações que foram destacadas neste relatório foi a KINTEX, uma firma Búlgara de importação e exportação que foi fundada em 1968. KINTEX foi gerenciada pela polícia secreta Búlgara e agia “sobre ordens secretas de Moscou”. KINTEX foi estabelecida, segundos as fontes do relatório, principalmente para prover um mecanismo para utilizar estrangeiros dentro da Bulgária para fabricar e enviar narcóticos para a Europa Ocidental e munição para o Oriente Médio. Os estrangeiros eram Turcos, Sírios e Jordanianos. As reuniões de coordenação incluíam traficantes da Grécia, Itália, Iraque e Irã. Enquanto a Bulgária foi identificada no início da década de 1970 num estudo secreto da CIA como “o novo centro para distribuição do tráfico de narcóticos e de armas”, todos os dados do relatório da DEA (Agência Americana Contra Drogas) na verdade se refere a estrangeiros trabalhando dentro da Bulgária. A resposta do governo Búlgaro para as reclamações Americanas era sempre negar qualquer envolvimento: a presença de estrangeiros dentro do solo Búlgaro não constituía nenhum crime e nenhum Búlgaro tanto dentro do solo Búlgaro quando fora, fora incriminado.

Outro líder que discursou na reunião em Moscou foi Walter Ulbricht, o Primeiro Secretário da República Democrática da Alemanha. Ele aproveitou a oportunidade para fazer pressão por um envolvimento maior da Alemanha. Naquela época, os Alemães não possuíam permissão para conduzir suas próprias estratégias de inteligência e por isso, Ulbricht enfatizava, a Alemanha necessitava de ajuda para explorar seus recursos na África, no Oriente Médio e na América Latina. Inteligência Estratégica, ou seja, sabotagem, terrorismo, trapaça e espionagem, foi exatamente onde a ofensiva com os narcóticos começou e onde ela se sentia em casa. Em 1964, a Alemanha Oriental recebeu a permissão de começar as suas próprias operações de Inteligência Estratégica.

Mais tarde, neste mesmo dia, já sob efeito de alguns drinques, Khrushchev cutucou o cotovelo do Sejna de maneira brincalhona, e com brilho em seus olhos, ele revelou o nome secreto de toda a operação Soviética com tráfico de drogas, “Druzhba Narodov”, o quê, numa simples tradução, significa “A Amizade das Nações”. Esconder a real intenção das operações com um trocadilho era puro Khrushchev.

Esta reunião em Moscou foi única. A estratégica Soviética foi considerada extremamente sensível e foi associada a ela o mais alto nível de classificação de segurança. Pessoas sem a absoluta necessidade de saber detalhes da operação, não deveriam saber absolutamente nada sobre a operação. Seguindo a reunião, que foi o início oficial da operação, com pouquíssimas exceções, todas as coordenações e cooperações foram tratadas de maneira bilateral apenas.

Os líderes dos satélites retornaram aos seus respectivos países a procederam com os seus respectivos planos individuais no meio do maior esquema de segredo possível. Sejna descreveu a maneira como os planos da Checoslováquia foram desenvolvidos, resumido para o Conselho de Defesa, aprovado e depois implementado. Esta descrição provê uma visão muito interessante de como os planos operacionais contendo informações altamente sensíveis eram desenvolvidos, controlados e mantidos em segredo. A tarefa de desenvolver o plano era designada para cinco pessoas, cada um do Departamento de Órgãos Administrativos, inteligência civil, inteligência militar, do Departamento de Assuntos Estrangeiros e da Administração de Saúde Militar. Sejna era o encarregado da Secretaria do Conselho de Defesa. As cinco pessoas, mais um cozinheiro do secretariado do Sejna, foram isolados numa vila em Rusveltova Nº 1, que por acaso foi onde Fidel Castro ficou enquanto estava visitando a cidade de Praga. O trabalho deles foi monitorado pelo Chefe dos Conselheiro Soviéticos da Zs e pelo Jiri Rudolf e pelo Vaclav Havranek, que eram os oficiais do Departamento de Órgãos Administrativos responsáveis pela inteligência e a contra inteligência militar. Apenas outros cinco oficiais Checos tinham acesso a Vila: o Ministro do Interior, o Ministro da Defesa, o Chefe do Gabinete, o Chefe da Segunda Administração (inteligência civil) e Sejna. Depois que este grupo conseguiu finalizar o plano geral, as únicas pessoas que tiveram acesso a este plano foram os sete membros do Conselho de Defesa.

Quando o plano de operação com os narcóticos estava finalizado, ele foi considerado mais sensível até mesmo do que os planos anuais da inteligência. Nove cópias foram feitas e envelopadas e depois enviados para o Conselho de Defesa, onde eles foram abertos e examinados antes da votação para sua aprovação. O Ministro da Defesa e o Ministro de Assuntos Interiores apresentaram conjuntamente o plano para o Conselho de Defesa. O plano levava em conta pesquisa, desenvolvimento, a influência das drogas nos seres humanos, testes, produção, distribuição, como o dinheiro seria lidado no projeto, como os lucros seria utilizado e os indivíduos que teriam as responsabilidades particulares. Durante a apresentação, o Ministro de Assuntos Interiores, Rudolph Barak explicou que “Este projeto não serviria apenas para destruir a sociedade Ocidental, mas este projeto vai fazer a sociedade Ocidental ainda por cima nos pagar por isso”. Antonin Novotny, Primeiro Secretário e Presidente do Conselho de Defesa perguntou o “quanto ganharíamos com isso?”, e Barak respondeu: “O suficiente para financiar completamente o serviço de inteligência da Checoslováquia”.

Assim que a discussão terminou, nem mesmo esperando o fim da reunião, como normalmente era feito, Sejna recolheu todas as cópias e fechou todos os envelopes. Todas, menos três cópias, foram totalmente destruídas. Estas três cópias foram enviadas para a inteligência militar (Zs), para a Segunda Administração do Ministério de Assuntos Interiores e para os arquivos do Conselho de Defesa, que era onde o Sejna fazia parte do secretariado. Nenhuma instrução por escrito para pôr o plano em operação foi gerada. As principais pessoas de cada departamento, de cada agência que possuía alguma tarefa específica nesta fase do projeto ia a um dos três escritórios que possuíam as cópias do projeto e podiam ler apenas o mínimo necessário. Por exemplo, para o desenvolvimento científico e produção, os chefes do Rear Services[2] e da Administração Médica vieram de maneira independente ao escritório do Sejna para ler as suas partes pertinentes do plano. O trabalho do Sejna era garantir que cada oficial entendeu perfeitamente a sua responsabilidade. O oficial era então obrigado a assinar um termo de responsabilidade que entendeu perfeitamente a ordem, e depois disso o oficial ia embora.

Esse processo foi aplicado até mesmo ao Ministro de Defesa. Todas as ordens eram verbais. Relatórios com o progresso deviam ser enviados ao Sejna em até seis meses. Sejna em pessoa agregava todos os relatórios e apresentava os resultados para o Conselho de Defesa.

Um ano depois, em 1963, Khrushchev, descontente com a velocidade da operação, direcionou o Major General Nikolai Savinkin, o chefe-substituto  do Departamento de Órgãos Administrativos do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética (ele viria a se tornar o Chefe em 1964 depois da morte do General Mironov num acidente de avião), para visitar cada um dos países satélites e Cuba pessoalmente para preparar um plano detalhado de como poderia acelerar e coordenar a operação com narcóticos. O Departamento de Órgãos Administrativos é um dos dois ou três principais departamentos do Comitê Central. Ele controla o Ministério da Defesa, o Ministério de Assuntos Interiores (KGB) e o Ministério da Justiça. Era exatamente este o departamento que direcionava a operação “Druzhba Naradov”. Outras organizações que participaram serão descritas no próximo capítulo.

O plano de Savinkin foi aprovado pelo Conselho Soviético de Defesa e as diretivas foram enviados aos países satélites. Estas diretivas, que chegaram através do Sejna como o Secretário do Conselho Checo de Defesa e o Chefe do Gabinete do Ministério da Defesa, cobria uma larga variedade de ações: pesquisa, produção, organização do transporte, organização das cooperações através dos países satélites em várias regiões do mundo, a necessidade da cooperação em ajudar Cuba a infiltrar todas as operações da América Latina e como esta cooperação deveria ser feita, nomeava as pessoas que deveriam, em diversos países, ajudar na distribuição, na propaganda e na desinformação. Também foram recebidas instruções de como e quais instituições financeiras deveriam participar das transferências e lavagem de dinheiro. No caso específico da Checoslováquia, pelo menos quinze bancos diferentes em nove países (incluindo Singapura, Viena, Argentina e Holanda) foram identificados. O banco Soviético em Londres foi se tornando cada vez mais envolvido nas transferências dos lucros do tráfico.

As instruções de propaganda e desinformação eram especificamente interessantes. Propaganda, desinformação e trapaça são desenvolvidas para ajudar o plano de trapaça geral. Nas operações com drogas e narcóticos, a essência da propaganda e da desinformação era que a culpa do tráfico e do uso de drogas deveria cair sobre a “sociedade”. Adicionalmente, e suportando a essência básica do plano, as provas de corrupção deveriam ser liberadas para desmerecer certos indivíduos e organizações consideradas hostis para os interesses Soviéticos. Haviam duas principais campanhas de propaganda – uma direcionada contra a juventude e outra direcionada contra a população como um todo. Estas campanhas envolveram o Departamento de Propagandas Especiais, o Departamento de propaganda e o Departamento de Assuntos Internacionais, com uma coordenação central dentro do Departamento de Órgãos Administrativos.

A estratégia básica para a propaganda e a trapaça foi desenvolvida primeiramente em 1961 ou 1962 pelo General Soviético Kalashnik, o Chefe-Substituto do Principal Administração Política, o guardião ideológico de todo o estabelecimento militar Soviético. Kalashnik era o chefe ideológico da Secretaria Principal de Administração Política. Sejna relembrou as simples instruções do Kalashnik: “Nossa propaganda deve ser sempre direcionada para os nossos inimigos, não para os nossos amigos”. A palavra “amigo” significava, na verdade drogas e narcóticos. Propaganda e trapaça deveriam ser utilizadas para tirar o foco da atenção das drogas e dos narcóticos, especialmente em relação as classes média e alta, que eram um dos alvos da propaganda, e mudar o foco da atenção das pessoas para os problemas da guerra nuclear, a guerra do Vietnã e o Antiamericanismo.

Estas instruções de propaganda foram estendidas em 1964 numa carta assinada pelo Leonid Brezhnev que foi muito discutida numa reunião no Conselho de Defesa da Checoslováquia. A carta mandava que os dados referentes ao tráfico de drogas e narcóticos dos Chineses deveriam ser divulgados ao público, para assim anunciar ao mundo o papel da China como a fonte de todo o tráfico ilegal e assim desviar a atenção das operações Soviéticas. (Um dos principais artigos escritos com este propósito apareceu no Pravda no dia 13 de Setembro de 1964. Foi escrito pelo V. Ovchinnikov e foi intitulado “Os Traficantes”).

Em setembro de 1963 os principais líderes (Primeiros Secretários, Primeiros Ministros, Ministros da Defesa, Ministros de Assuntos Interiores e uma equipe selecionada de cada um destes, num total de 15 pessoas de cada país, exceto Romênia, Albânia e Iugoslávia, que não se apresentaram) se encontraram em Moscou para a conferência anual sobre o plano e as táticas que deveriam ser postas em prática no ano vindouro. A diplomacia, a inteligência e as partes envolvidas – ou seja, o processo integrado – para o próximo ano, era revista pelos líderes Soviéticos.

O principal palestrante era o Mikhail Suslov, o chefe ideológico do Partido Comunista e um dos principais oficiais no desenvolvimento dos planos estratégicos. Na discussão sobre as drogas, Suslov começou apontando que a decisão que foi tomada sobre o uso do tráfico de drogas e narcóticos foi a melhor decisão que podia ter sido tomada. Como os Soviéticos tinham levantado, na década de 1950, que a América Latina era extremamente dependente da burguesia, especialmente dos Estados Unidos, os Soviéticos perceberam que com o uso das drogas isso poderia mudar: os países da América Latina poderiam todos depender da União Soviética. O principal instrumento para isso deveria ser tanto as drogas como outros modos de corrupção, prática que os Soviéticos concluíram que já estava espalhado por todas as Américas.

Os Soviéticos se referiam a este movimento revolucionário na América Latina como a Segunda Libertação. A Primeira Libertação foi a libertação tanto de Portugal como da Espanha. A Segunda Libertação seria a libertação dos Estados Unidos e da burguesia. A Terceira Libertação seria a transição para o Comunismo.

Suslov explicou que era necessário desarmar os anticomunistas e todos os amigos dos Estados Unidos antes da Segunda Libertação acontecer. Os Soviéticos acreditavam que a burguesia corrompida já tinha aceita a ideia da revolução, o que na verdade era pura trapaça induzida pelos Soviéticos. A estratégia utilizada para encorajar a aceitação da ideia de revolução foi de argumentar que os países Latinos Americanos estavam destinados a passar por uma série de estágios revolucionários, em que as mudanças que ocorreriam seriam benéficas. Nos primeiros estágios, não haveria, pelo controle dos Soviéticos, nenhuma menção ao socialismo ou sequer utilização de frases socialistas – para não assustar as pessoas com o conceito da revolução.

Os Soviéticos listaram os cinco fatores que se mostraram mais efetivos para acelerar o processo revolucionário na América Latina:

1.       A igualdade militar entre Estados Unidos e a União Soviética: A União Soviética deveria ser forte o suficiente para impedir a interferência dos Estados Unidos antes que a revolução possa iniciar.

2.       A bancarrota do colonialismo: Enfraquecer e por último romper os laços da América Latina com os Estados Unidos através da propaganda de como a exploração e a impropriedade das políticas colonialistas, além protecionismo, que andava junto do colonialismo, atrasavam a América Latina.

3.       Organização Ideológica e de suprimentos para as forças de liberação: Uma melhor organização e uma ofensiva ideológica unificada eram requisitos para as forças de liberação. O movimento acabou por se separar demais na época de Stalin. Unidade ideológica era uma necessidade e a assistência de suprimentos – dinheiro, armas, treinamento, organização - precisava melhorar e muito na América latina.

4.       A derrota dos Estados Unidos no Vietnã: Era necessário separar os Estados Unidos dentro de casa e tornar extremamente difícil para os Estados Unidos se envolverem em guerras fora de seu território novamente. Também era fundamental que as forças nacionalistas (pró-Estados Unidos) reconheçam que os Estados Unidos não podem mais ser confiados como aliados contra o processo revolucionário.

5.       A desmoralização dos Estados Unidos e de seus vizinhos tanto ao sul como ao norte: As drogas eram o principal instrumento para trazer esta desmoralização – a desmoralização pelas drogas deveria ser referida como a “Epidemia Rosa”. Os Soviéticos acreditavam que quando a “Epidemia Rosa” cobrisse toda a América do Norte e do Sul, a situação estaria altamente satisfatória para a revolução.

Suslov reviu a situação da América Latina, utilizando os dados recolhidos pela inteligência Soviética, pelos partidos Comunistas locais, por Cuba e pelos agentes da inteligência do Pacto de Warsaw que já tinham penetrado nas operações com drogas na América Latina. Fazendo especiais referências ao Paraguai, Jamaica, El Salvador, Guatemala, Honduras e México, Suslov declarou que 70% dos burocratas da América Latina já estavam ligados com (ou seja, corrompidos pelas) operações com drogas. “No México”, ele disse, “80% dos burocratas estavam ligados com as drogas e envolvidos em algum nível de corrupção. Na América Latina, 65% dos padres católicos usavam drogas”, ele disse. Padres Católicos eram alvos de primeira linha na estratégia Soviética na América Latina.

Quatro anos depois, numa reunião em 1967, Boris Ponomarev explicou para os oficiais da Checoslováquia que segundo as estimativas Soviéticas, 80% dos padres Da América latina eram antiamericanos, e um pouco mais do que 60% estavam inclinados à esquerda. Esta estatística, particularmente, era bastante influenciada pelos padres mais novos, o que os Soviéticos acreditavam que teriam grande influência em mais ou menos 20 anos. Boris Ponomarev avançou com três razões para trabalhar com os padres mais novos: eles ajudariam a revolução a avançar, eles usariam a igreja para distribuir as drogas, e eles seriam utilizados para ganhar mais informações sobre as redes locais de distribuição de drogas.

Porém, voltando a 1963; depois de rever as estatísticas do negócio de drogas, Suslov discutiu dois grupos especiais os quais as drogas deveriam ser usadas contra: o primeiro eram os líderes da burguesia; o segundo era o grupo referido como o “lumpen proletariado” – os desempregados que ou se tornavam prostitutas ou marginais para sobreviver. Um outro termo utilizado para descrever este grupo é “downtrodden proletariat”. Como Mikhail Suslov explicou, “este grupo é particularmente suscetível a ser seduzido pelas drogas. Isso tudo era pelo bem, pois iria ajudar a guerra revolucionária a destruir este grupo, pois não passavam de inúteis e um peso a ser carregado. Seus membros não querem trabalhar. Eles são os principais consumidores de drogas e devem ser destruídos. A principal tática revolucionária é preparar a elite revolucionária e estes proletários não fazem parte desta elite”.

Para avançar o negócio das drogas, Mikhail Suslov também enfatizou quatro pontos:

1.       Utilizar Cuba para ajudar na distribuição das drogas;

2.       Possuir total certeza que pessoal escolhido está totalmente limpo quanto a segurança antes de envolve-los nas operações de tráfico de drogas;

3.       Nos Partidos Comunistas locais, somente o Primeiro Secretário deveria estar ao par das operações envolvendo drogas. Os Partidos Comunistas deveriam ser mantidos a uma distância segura das operações com drogas por dois motivos: primeiro, era acreditado que os Partidos Comunistas possuíam agentes estrangeiros infiltrados. De acordo com as ordens, o conhecimento sobre as operações com drogas deveria ser mantido a distância dos partidos e o pessoal do partido deveria ser muito cuidadosamente inspecionado antes de ser envolvido em qualquer atividade com as drogas; Segundo, as operações com drogas geravam muito dinheiro e isso poderia levar os partidos à independência financeira. Por isso, as operações deveriam ser mantidas fora das mãos dos partidos para assim mantê-los dependentes de Moscou. O dinheiro das drogas deveria ser, primeiro enviado a Moscou, e depois aos partidos segundo as suas necessidades.

4.       Era muito importante induzir que as inteligências Latinas Americana, a contra inteligência e as forças militares locais a se envolverem nas drogas (as anticomunistas). Estas organizações eram fontes de sentimentos pró-Estados Unidos, e a corrupção causada pelas drogas deveriam ser utilizadas para neutralizar as atitudes pró-Estados Unidos.

O estilo do Khrushchev era ficar sentado e ir interrompendo o palestrante para ir adicionando pontos quando ele considerava que era pertinente. Ele interrompeu Suslov para enfatizar a necessidade de cautela. “O Camarada Suslov”, ele disse, “é particularmente cuidadoso. Eu tentei força-lo a acelerar o processo com as drogas – para fazer a burguesia pagar pelo processo revolucionário – mas eu concordo com ele. Não podemos nos arriscar ainda mais.” Num outro ponto Khrushchev interrompeu e explicou: “Algumas pessoas tentam igualar drogas e álcool, porém álcool não é parecidos com as drogas. Nós damos vodca para os soldados soviéticos e estamos indo de sucesso em sucesso!”.

Suslov também apontou a necessidade de começar a fazer uma reserva para as forças revolucionárias da América Latina, para que as suas necessidades fossem satisfeitas quando elas estiverem prontas para sair do subterrâneo. Pelo o acordo, todos dos países do Pacto Warsaw deveriam começar a contribuir para formar a reserva da América latina.

O discurso de Suslov não deixou dúvidas nenhuma. A operação “Druzhba Narodov” deveria ser global. A burguesia de todos os países eram os alvos. Drogas e narcóticos deveriam ser as principais armas na ofensiva revolucionária.

Enquanto a estratégia Soviética chamada “Druzhba Narodov” ia tomando forma em 1962-1964, provavelmente a melhor, a mais sucinta descrição da filosofia por detrás da operação foi disponibilizada pelo líder da Checoslováquia em 1964 numa visita a Bulgária. Todor Zhivkov, Primeiro Secretário do Partido Comunista da Bulgária, explicou para a delegação visitante da Checoslováquia que os Estados Unidos eram o principal alvo da ofensiva com drogas do Bloco Soviético porque era o principal inimigo, por que era simples mover drogas para dentro dos Estados Unidos e porque existia lá algo como uma fonte infinita de dinheiro.




[1] Citação de Lenin (Não encontrei essa citação do Lenin no www.marxists.org)